18 de dezembro de 2007

O melhor livro do mundo!


UM

Dezembro de 2001
Epoca/Epoca
Eu me tornei o que sou hoje aos doze anos, em um dia nublado e gélido do inverno de 1975. Lembro do momento exato em que isso aconteceu, quando estava agachado por detrás de uma parede de barro parcialmente desmoronada, espiando o beco que ficava perto do riacho congelado. Foi há muito tempo, mas descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado, essa história de que podemos enterrá-lo. Porque, de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar. Olhando para trás, agora, percebo que passei os últimos vinte e seis anos da minha vida espiando aquele beco deserto. Um dia, no verão passado, meu amigo Rahim Khan me ligou do Paquistão. Pediu que eu fosse vê-lo. Parado ali na cozinha, com o fone no ouvido, sabia muito bem que não era só Rahim Khan que estava do outro lado daquela linha. Era o meu passado de pecados não expiados. Depois que desliguei, fui passear pelo lago Spreckels, na orla norte do parque da Golden Gate. O sol do início da tarde cintilava na água onde navegavam dezenas de barquinhos em miniatura, impulsionados por um ventinho ligeiro. Olhei então para cima e vi um par de pipas vermelhas planando no ar, com rabiolas compridas e azuis. Dançavam lá no alto, bem acima das árvores da ponta oeste do parque, por sobre os moinhos, voando lado a lado como um par de olhos fitando San Francisco, a cidade que eu agora chamava de lar. E, de repente, a voz de Hassan sussurrou nos meus ouvidos: "Por você, faria isso mil vezes!" Hassan, o menino de lábio leporino que corria atrás das pipas como ninguém.

Sentei em um banco do parque, perto de um salgueiro. Pensei em uma coisa que Rahim Khan disse um pouco antes de desligar, quase como algo que lhe houvesse ocorrido no último minuto. "Há um jeito de ser bom de novo." Ergui os olhos para as pipas gêmeas. Pensei em Hassan. Pensei em baba. Em Ali. Em Cabul. Pensei na vida que eu levava até que aquele inverno de 1975 chegou para mudar tudo. E fez de mim o que sou hoje.


SETE

No dia seguinte, enquanto preparava meu chá preto para o café da manhã, Hassan me contou que tinha tido um sonho.

— Estávamos no lago Ghargha — disse ele. — Você, eu, o pai, agha sahib, Rahim Khan e mais um monte de gente. Fazia sol, a temperatura estava ótima e o lago estava límpido como um espelho. Mas ninguém estava nadando porque andavam dizendo que um monstro tinha vindo para o lago. Estava escondido lá no fundo, só esperando...

Encheu a minha xícara, acrescentou o açúcar e soprou algumas vezes. Pôs então o chá diante de mim.

— Era por isso que todos estavam com medo de entrar na água. De repente, você descalçou os sapatos, Amir agha, e tirou a camisa. "Não tem monstro nenhum aí", disse. "Vou mostrar a todos vocês." E, antes que alguém pudesse impedi-lo, mergulhou na água e começou a nadar. Mergulhei também e saímos os dois nadando.

— Mas você não sabe nadar!

— É um sonho, Amir agha — disse Hassan rindo. — A gente pode fazer qualquer coisa. Seja como for, todo mundo começou a gritar: "Saiam daí! Saiam daí!", mas nós continuamos a nadar na água fria. Chegamos sãos e salvos ao meio do lago e paramos. Viramos na direção da margem e acenamos para as pessoas que estavam paradas lá. Pareciam formiguinhas, mas podíamos ouvir os seus aplausos. Agora estavam vendo. Não tinha monstro nenhum ali, só água. Depois disso, mudaram o nome do lago, que passou a se chamar "Lago de Amir e Hassan, sultões de Cabul", e podíamos cobrar das pessoas que quisessem ir nadar lá.

— E o que isso significa? — perguntei eu.

Ele passou geléia no meu naan e botou em um prato.

— Sei lá... Tinha esperanças que você me explicasse.

— Ora, é um sonho besta. Não acontece nada...

— O pai diz que os sonhos sempre querem dizer alguma coisa.

Tomei uns goles do meu chá.

— Então, por que não vai perguntar a ele, já que é tão esperto — disse eu, mais rispidamente do que pretendia. Não tinha dormido nada aquela noite. Meu pescoço e minhas costas estavam parecendo molas bem enroladas, e meus olhos pinicavam. De todo modo, tinha sido uma peste com Hassan. Quase pedi desculpas, mas acabei não fazendo nada. Hassan ia compreender que eu estava nervoso. Ele sempre compreendia o que acontecia comigo. Podia ouvir lá em cima o ruído da água escorrendo no banheiro de baba...