9 de setembro de 2008

A Carona

Buenas!
Aconteceu comigo. Juro.

Meados de 2002, eu trabalhava numa empresa de informática em Bagé. Era o técnico responsável, então quem lidava com quase todos os casos problemáticos dos clientes (que já são problemáticos) e dos que, ocasionalmente, os estagiários (também ocasionais) provocavam.

Na época, ADSL era uma coisa muito recente, e poucos tinham o conhecimento do que se tratava. Como eu tinha realizado um treinamento no Paraná, éramos os únicos na cidade que sabíamos lidar com a tecnologia.

Foi então que fomos contratados para refazermos toda a estrutura de redes e internet de uma revenda muito conhecida de carros novos e usados. De tão conhecida, o dono estava sendo aclamado prefeito de Bagé com dois anos de antecedência... ô vida!
Feito o trabalho, após um final de semana inteiro, fomos pra casa. Na segunda-feira pós-final-de-semana-perdido, quando chegávamos na empresa novamente, eis que escutamos um breve recado na secretária eletrônica: o mesmo dono queria que nós fizéssemos o mesmo serviço na revenda da cidade de São Gabriel! Realmente pude me gabar: como eu trabalho bem (tri convencido, né!)!

Acertamos tudo: no outro dia, às 4:45h da manhã, o Eduardo passaria na minha casa pra me buscar e me levar para São Gabriel, numa van verde. Tudo certinho, tim-tim por tim-tim.

Era o que eu achava!

4:45h da manhã, quando estava abrindo a porta da frente da minha casa, vejo uma van verde passando bem devagarinho pela minha rua. Pensei comigo: é o Eduardo!
Gritei:

- Ooooopa! - Paraí que já tô indo!

E fechei a porta rapidinho, antes que ele me deixasse por ali.

Quando cheguei na porta da van, perguntei:
- Tu que és o Eduardo?
E o motorista:
- Sim, sou o Luís Eduardo.

Tudo bem, então entrei. Mas na porta vi que a van estava completamente LOTADA, exceto por um único lugarzinho láááá no fundo, perto do motor. Nota: Lotada de IDOSOS, homens e mulheres... completamente CARECAS. Tranqüilo, não dei bola e fui pro único lugar que sobrava.

Acabei pegando no sono. Afinal, não estava acostumado a levantar todos os dias a esse horário. Só que no meio do caminho, eu via a van andando por ruas de chão batido, cheias de buraco... e em cada buraco, a minha cabeça batia no vidro da janela, e eu me acordava. Num desses malditos buracos, eu escutei uns velhinhos conversando: - Ah, o meu é maligno, mas eu dou conta dele! E o teu? -Ah, o meu é benigno, mas nem tô. Estranho, mas vamos em frente, até porque o motorista pode simplesmente estar realizando um ato de caridade e dando uma carona para estes idosos carecas, o que não é nada fora do normal, não é mesmo?

Foi quando me acordei pela última vez, e a van estava passando por um quebra-molas. Quando olhei a cidade pela janela, vi que eu conhecia aquela cidade, só não estava me recordando qual era... e isso tudo era muito estranho, visto que eu não conhecia São Gabriel! Quando vejo, a van entrando numa rua estreitinha e estacionando na frente do HOSPITAL DE ONCOLOGIA DE PELOTAS. Pensei: de repente estamos fazendo uma breve escala por Pelotas antes de chegarmos a São Gabriel. Começaram a descer os velhinhos... descendo... descendo... até que só sobrei eu dentro da van. Quando o motorista, o Luis Eduardo, me viu bem sentado dentro da van, abriu a porta da van, colocou a cabeça pra dentro e disse, com o cenho franzido:
- E tu, vais pra onde?
- Ué, eu vou pra São Gabriel! - respondi, na mesma hora. Que estranho ele não saber!

Eis então que me atiça as vistas...
- Mas tu estás louco? - Essa van é pra trazer quem tem câncer em Bagé pra fazer tratamento em Pelotas! Nisso, ele pegou uma lista, que deveria ser a lista de passageiros, enquanto perguntava meu nome...
- É... realmente não tem nenhum Vitor aqui. - Puxa vida, eu te trouxe e deixei a Dona Rosana! - Mas tu és um abobado!
- Abobado é tu que me confundiu com uma mulher! - respondi.
- Tu não és o Eduardo da concessionária Chevrolet? - perguntei.
- Não! Sou o Luis Eduardo do hospital! - ele respondeu.

E foi assim. Depois disso, descobri que ele só voltaria pra Bagé de tardezinha (eram 9h da manhã), e que teria que dar um jeito de voltar. A minha sorte era que eu tinha recebido meu ordenado no dia anterior, e andava com o bolso "recheado" (de moedas, claro). Caminhei alguns quilômetros até a rodoviária e peguei o ônibus de volta pra Bagé, normalmente, como se nada tivesse acontecido.

Obs. 1:
Quando entrei na van, um senhor já de idade (careca, óbvio), me perguntou:
- Vais consultar lá?
E eu respondi:
- Não, não... vou fazer uma rede.
Ele deve ter pensado que já tinha afetado o meu cérebro... a coisa devia estar séria.

Obs. 2:
Minha mãe disse que, logo depois que eu saí, bateram lá em casa. Era um senhor, numa van verde, procurando por mim. A minha mãe respondeu:
- Ué, o Vitor foi pra São Gabriel.
E o Eduardo:
- Mas como, se eu que vim buscar ele?

Hehe, aconteceu comigo. Peguei carona numa van que carregava pessoas com câncer, para fazerem quimioterapia em Pelotas.

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