31 de março de 2010

Wolfrembaer

Naquela época eu andava com uma de dez e duas de cinco dobradas no bolso direito da minha calça jeans surrada. Uma de dez e duas de cinco, nada mais.

Tava duro.

Então era todo dia pão com ovo, ou pão com banana. Ah, tinha batata. Muita batata! Aí, justamente nesse dia foi que ela chegou. Aquela menina-mulher. Era (e ainda é) bem pequena, mas não baixinha. Magrinha, mas jeitosa. Curvas, sabe?

Ela tinha curvas, sim. Tinha um bracinho torneado, umas pernas que de vista pareciam magras demais, mas que na horizontal, ao longilíneo, poderiam esgueiravam qualquer cidadão de bem. Tinha um jogo diferente no caminhar, nos quadris, um olhar diferente, meio sacana. Toda branca, como o leite que sai da vaca. Branquinha, branquinha. Só faltava os cabelos serem castanhos. Mas eram vermelhos.

Pois ela chegou naquele dia, bem naquele dia que eu andava na maior dureza, e ela parou na minha frente e deu uma quebrada na cintura de um jeito que ela sabia dar, e me olhou com aquele olhar de viés, e me disse algo que me fez tremer todo por dentro:

- Tu sempre me quis, né?

Minha voz saiu rouca, do fundo do peito, arranhando a garganta:

- Ssempre…

Ela sorriu um sorriso dourado e branco:

- Vamos jantar hoje?

Respondi que sim, sim, sim... claro que sim! Combinamos de ir ao restaurante mais caro da cidade, que ali estava uma mulher que merecia jantares suntuosos, com consomês e pratos em sequência e maítres solícitos e tudo mais. Só depois que ela se foi, gingando, derramando a primavera por onde passava, só depois lembrei da minha situação financeira. Precisava arranjar dinheiro emprestado. Desesperadamente!

Saí atrás dos amigos. Descrevia a menina para eles. Gemia:

- Ela disse: “Tu sempre me quis, não é?”, ela me disse isso, cara! Preciso de um troco!

Fui num, fui noutro, nada. Amigos descapitalizados. Maldição.

Fui para casa aflito. Faltava uma hora para o encontro, e eu não encontrava a solução. Enquanto tomava banho, pensava no que fazer. O quê? O quê??? Aparentemente, não havia saída. E se confessasse meu estado lastimável para ela? Ela me consideraria um muquirana (com toda a razão) e cairia fora (com toda a razão). Havia outros, muitos outros, enxameando em torno dela. O que fazer, Cristo? O que fazer???

Saí do banho com o coração confrangido. Faltavam 45 minutos. Sentei-me na borda da cama, finquei os cotovelos nos joelhos e pus a cabeça entre as mãos. Não possuía nada que pudesse vender. Pelo menos não assim, à última hora. Menos mal que tinha gasolina no carro. Ninguém mais a quem apelar. E a menina me esperando, toda cheirosa e branquinha.

Desgraça! Desgraça!

Suspirei. Levantei-me. Ia assim mesmo, depois veria o que fazer. Tirei minha melhor camisa da mala. Vesti-a. Puxei a nota de dez e as duas de cinco da calça jeans. Olhei para elas como se olhasse um quadro de Renoir. Alisei-as. Deitei-as carinhosamente sobre o colchão. Suspirei de novo. Peguei outra calça da mala, uma um pouco mais nova, que fazia tempo que não usava. Enfiei uma perna. A outra. Fechei a calça. Colhi a de dez e as duas de cinco da cama. Levei-as ao bolso. E aí…

- WOLFREMBAER!!!

Achei dinheiro no bolso da minha calça! Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! O suficiente para pagar a conta caríssima de um restaurante caríssimo. Olhei pro céu. Com lágrimas nos olhos, balbuciei:

- Obrigado, Senhor!

Achar um buquê esquecido de reais no bolso de uma calça jeans quando uma menina jeitosa, com um olhar de sacana, com curvas e negaças à mancheia, com um jeito todo dela de quebrar os quadris, achar dinheiro para pagar a conta do restaurante quando uma menina dessas espera por você, isso, rapaz, isso sim é ser abençoado pelo Todo-Poderoso, isso sim faz um homem sair por aí com uma camiseta apregoando: "DEUS É FIEL".

Como é.

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