20 de março de 2009

Desaparecidos

Uma vez eu desapareci. Lembrei disso ao acompanhar as notícias sobre o zagueiro do Grêmio que sumiu e não quer dizer por quê. Meu caso foi um pouco diferente. Encontrava-me no alto dos Andes colombianos, entrevistando um guerrilheiro das Farc. Quatro mil metros montanha acima, um lugar cercado pela selva, onde não existia governo da Colômbia, nem meio de transporte, nem telefone, nem nada. Quando o carro no qual me locomovia quebrou e não havia como sair dali, concluí: “Estou desaparecido! Se ficar aqui o resto da vida, ninguém jamais me descobrirá”.

Fiquei pensando no que estava sentindo. Sempre quis saber o que sentia um desaparecido. Por que as pessoas somem de repente? Agatha Christie, a escritora, sumiu em meados dos anos 20 do século passado. Os jornais britânicos publicavam manchetes indagando pelo seu paradeiro, a Scotland Yard vasculhou a Ilha atrás dela, tudo em vão. Depois de 12 dias, o dono de um hotel no Interior a reconheceu como uma de suas hóspedes, registrada sob nome falso. Agatha voltou para casa. Viveu ainda 50 anos sem nunca revelar o que fez naqueles dias, ou por quê.

Tempos atrás fiz uma matéria sobre desaparecidos. Na verdade, sobre encontrados. Fui ao arquivo de jornais e procurei anúncios antigos de pessoas desaparecidas. Liguei para os telefones de contato e marquei entrevistas com as que reapareceram, porque com as que não reapareceram seria mais difícil.

Histórias deliciosas. Um homem de cerca de 60 anos, casado, com filhos, levava uma existência pacata de classe média, tudo parecia a contento com ele. Uma manhã, decidiu passear de bicicleta pela cidade. Saiu rodando, chegou à estrada e pensou que seria interessante ir mais longe. E se foi. E se foi e se foi e se foi. Quando desceu a noite, ele dormiu em algum lugar. Depois pegou uma carona, pedalou mais um tanto, tomou outra carona. De repente, viu-se no Paraná. Atravessou o Estado, cruzou a fronteira, infiltrou-se na Argentina. Entre os hermanos, arranjou outra mulher e já começava a constituir família. Aí o encontraram e o levaram de volta ao seio palpitante da sua família original.

O intrigante da maioria dos casos de pessoas de razoável nível cultural, como esse homem, é que suas histórias eram semelhantes. Sumiam meio que por enfaro, sem revolta ou protesto, e, em seu novo destino, reproduziam a vida antiga. Ou seja: o sujeito fugia de um estilo de vida para repeti-lo em outro lugar.

A ilusão de que o homem busca a eterna aventura. Não busca. Busca a rotina. Em qualquer lugar, em qualquer situação, o homem quer a segurança da rotina, de saber como se locomover e onde vai dormir, o que vai comer e o que fará com o seu dia. Mas às vezes ele se rebela contra essa necessidade enfadonha de viver sempre as mesmas horas. E então pode sumir. O zagueiro do Grêmio sumiu e se recusa a revelar seus motivos. Não precisa. É um direito dele. Todo homem tem direito a desaparecer.

David Coimbra, jornalista.


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