29 de dezembro de 2009

Como beber vinho

São Bento é o padroeiro da Europa. De toda a Europa.

Viveu no século V, e pregava uma vida de moderação, recato e trabalho. Como deve ser.

Escreveu um livro de regras. Os santos tinham mania de impor regras para as pessoas, já desde aquela época (risos). Quase todas as regras de São Bento eram contra a preguiça, os excessos, as tentações e muitas outras coisas boas de se fazer. Mas em meio à tanta regulação há um interessante capítulo intitulado “Como beber”. É onde o santo traça normas para a ingestão de vinho pelos monges, porque monge adora um vinho.

“Um quarto de litro de vinho por dia é suficiente”, recomenda o sóbrio São Bento. “Mas, se uma maior quantidade se revela necessária, cabe ao abade decidir, tomando cuidado para que não haja excesso nem embriaguez, pois o vinho faz até mesmo o sábio cambalear”.

Gostei muito desta parte: “Se uma maior quantidade se revela necessária”.

Li essa história num livrinho de bolso, há uns anos atrás. Era um livrinho que contava a história do vinho através dos séculos. Foi escrito por Jean-François Gautier, que, você deve ter percebido, é um francês. Entre as dezenas de histórias relatadas por Gautier está, naturalmente, a da transubstanciação, que não é o nome de nenhuma via férrea europeia, mas do famoso milagre protagonizado por Jesus nas Bodas de Caná, em que Ele transformou água em vinho.

O caso é narrado pelo apóstolo João: Jesus acompanhou a mãe a um casamento e levou junto os 12 discípulos. Isso sempre me intrigou: os 12 discípulos também teriam sido convidados? Ou foram de furões? Sou levado a crer na segunda hipótese. Nunca vi convite de casamento no qual estivesse escrito: “Carlos Eugênio Lisboa e senhora, mais 12 acompanhantes”. Além disso, há outra prova de que todos aqueles apóstolos não eram esperados: o vinho do casamento terminou antes que terminasse a festa. Evidentemente, os discípulos beberam à grande. Aí a mãe de Jesus pediu que ele resolvesse o problema.

– Eles não têm mais vinho – informou-Lhe Nossa Senhora.

Jesus se irritou um pouco:

– Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou.

Mas Santa Maria nem se deu ao trabalho de responder-Lhe. Virou-se para os serventes e ordenou:

– Fazei tudo o que ele vos disser.

Considero essa outra prova de que os discípulos não tinham sido convidados. Jesus deve ter pensado: já que fui eu quem trouxe a turma, tenho que dar um jeito de arranjar mais vinho.

Foi o que Ele fez. Mandou que os serventes pegassem seis talhas de pedra, as completassem com água e as levassem para o mestre-sala. Eles obedeceram e, quando as talhas foram abertas, estavam cheias de um tinto oloroso e de delicada qualidade. João encerra a história assim:

“Esse princípio dos sinais Jesus o fez em Caná da Galileia e manifestou sua glória, e os discípulos creram nele”.

É óbvio que o gosto de Jesus pelo vinho é algo aprazível de se ler, sobretudo num fim de semana, mas há outra informação interessante nesta passagem bíblica: exatamente a parte em que o evangelista observa: “E os discípulos creram nele”.

É preciso crer nas pessoas, mesmo que o momento não seja oportuno. Crer, crer, crer.

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