27 de dezembro de 2009

Eles não têm amor

Às vezes os pais não não bons pais.

Eu acho que serei um bom pai. Ou pelo menos vou me empenhar para ser.

Dia desses eu estava pensando em contar uma história dessas para minha namorada e para alguns amigos. Eu era bem pequeno, uns cinco ou seis anos de idade, e brincava com meu amigo Daniel. Nós dois armados de bisnaguinhas cheias de água! Lembro que caminhamos rindo até a calçada da frente, dobrando a esquina, e vimos que o vizinho adubava as plantas do jardim de frente dele. Olhamos para aquele monte de esterco, apertamos as bisnaguinhas e lançamos ali uns três ou quatro jatos de água, tudo muito inocente. Mas o vizinho não gostou. Virou-se e ralhou:

- Se atirarem água denovo, vou jogar esterco em vocês!

Corremos para o pátio, assustados. Meu pai percebeu que havia algo errado e me segurou pelos ombros.

- O que foi, Vitor?

Contei.

Ele se enfureceu. Tomou-me pela mão e me levou até a frente da casa, até o jardim do vizinho. Estacou sobre a grama.

- Tu disse que ia jogar esterco no meu filho? - gritou para o homem, que apoiou no chão a pá com que trabalhava e ficou olhando para ele, mudo.

- Tu disse que ia jogar esterco no meu filho? - repetiu meu pai, desafiador.

O homem não respondeu.

- Pois quero que tu jogue agora! - falou meu pai entre dentes, apontando para mim. - Joga! Joga que eu quero ver se tu é homem prá jogar esterco no meu filho!

O vizinho largou a pá no chão. Deu-nos as costas e deslizou para dentro de casa, acuado.

Foi uma atitude de valentia física do meu pai, obviamente, mas não posso dizer que tenha sido algo que me agradou, nem me deixou orgulhoso à época. Criança não aprecia violência.

Terminei de lembrar dessa história, e lembrei de um fala de um dos meus amigos na infância: "pelo menos o teu pai se importava contigo. O meu nem isso".

Foi então que me dei conta de que muitos dos meus amigos não tiveram bons pais, mas que eles, agora, são bons pais. Como eu tenho a pretensão de ser. O quê mudou entre uma geração e outra?

Eu sei o quê foi. E para falar a respeito, me valho de outra lembrança, da qual o protagonista é o homem que, de certa forma, sempre ocupou o lugar de um dos meus pais na minha criação: o meu avô. Quando se referia a pessoas que considerava de má índole, meu avô sempre usava a mesma frase para definí-las:

- Elas não têm amor.

Sempre dizia isso. Um dia perguntei a ele se não queria dizer que aquelas pessoas não "sentiam" amor. E ele balançou a cabeça, em uma negativa:

- Não, Vitor. Elas não têm amor porque nunca receberam amor.

Então compreendi. Elas até poderiam sentir amor, mas não tinham para dar. Como vão dar uma coisa um um sentimento que nunca receberam? Os bons pais de hoje, que não tiveram pais tão bons assim, eles certamente receberam amor de outras pessoas. Já os pais que cometem selvagerias com as crianças, essas coisas grotescas que temos lido nos últimos dias, gente que suplicia crianças com agulhas ou joga-os de janelas, esses sei bem o que há com eles.

Eles não têm amor.

Nenhum comentário: