23 de setembro de 2009
HG é o cara
Abaixo, resolvi transcrever uma entrevista realizada com ele por uma empresa de Curitiba. Não vou postar o nome da empresa pelo simples fato de que não quero propagandas no meu blog.
As letras são o mais importante nas músicas do Engenheiro do Hawaii? É “dizer algo”?
É um dos aspectos importantes. E é menos racional do que as pessoas imaginam, pelo menos no meu caso. Geralmente eu demoro um tempo pra saber o que eu quis dizer. Também estou na busca.
Qual o sentido de fazer música? É preciso que haja algum? O que te impulsiona a compor?
É natural e inevitável para mim… não penso em nada nem em ninguém quando componho. Simplesmente me parece a coisa certa a fazer. É uma maneira de pensar com o coração e sentir com a cabeça.
Além de fonte para as citações presentes em suas músicas, como a literatura influencia suas composições?
Sempre gostei de ler. Mas a influência quase nunca aparece de forma linear. Toda influência deve passar pelos labirintos da cabeça e do coração, senão é melhor ficar com as fontes originais.
O público de vocês ainda é formado, na maioria, por jovens? Ou os fãs dos Engenheiros cresceram com a banda?
Acho que há uma mistura de quem nos acompanha desde sempre e de gente que vai chegando. Eu tento não analisar muito o público. Esta é a maior prova de respeito: não resumir teu público a um padrão, afinal, ninguém é igual a ninguém.
Como é a juventude de hoje? Você arriscaria definir ou analisar?
São tempos estranhos, muito pragmatismo. Todo mundo só quer saber do que pode dar certo, e às vezes a beleza está justamente no errado. A juventude tem que lidar com estes tempos. Alguns conseguem manter a sensibilidade viva; outros simplesmente aderem.
Qual o problema da ânsia por novidade e rapidez? E qual a alternativa para fugir disso?
A novidade é um mito. Ainda mais na indústria do entretenimento. Os artistas dos quais eu gosto nunca caíram neste canto da sereia. Acho que cada um tem seu relógio e é bobagem assumir os tempos da mídia. Se é que ainda há algo revolucionário, é a fidelidade.
Qual foi o melhor momento da banda em um festival? Foi quando abriram o show para o Nirvana, no Rock em Rio II, em 1993?
O melhor lugar do mundo é aqui e agora. Ter tocado "Parabólica" com violão de nylon antes do Nirvana foi um rito de passagem.
Como é participar de um festival, o que muda em relação a um show da banda sozinha? Você já declarou que festival é como “rodízio de pizza”. Você gosta de tocar em festivais?
É diferente de shows só da banda. É natural que seja mais dispersivo. Por outro lado é legal oferecer ao público pizzas variadas. Quem sabe alguém descobre um sabor que ignorava?
Como a sua timidez declarada se manifesta nos shows?
Ser tímido é um saco. Em minha defesa eu digo que pessoas tímidas são mais confiáveis.
O set list vai ser Acústico MTV somente, ou vão mesclar com músicas que ficaram de fora do álbum? Preferência para os hits como “Ouça o que eu digo, não ouça ninguém”, ou para outras menos conhecidas?
Vamos tocar algumas que ficaram de fora do disco, mas todas no formato acústico. Comecei a tocar viola caipira nos shows e tenho adorado. Acho que só agora descobri meu instrumento.
Além de não fazer simplesmente um “greatest hits”, o que pesou na hora de escolher quais músicas entrariam no acústico?
As músicas se escolheram entre elas mesmas. É difícil explicar, mas a gente sente quando uma canção está no ponto. Espero gravar um outro acústico, pois aprendi muito na estrada com este disco. Acho que é o melhor show da história da banda.
E o que pesou na hora de decidir fazer um acústico MTV? Pensaram em não aceitar, ou a oportunidade não é dispensável?
O papo rolava há algum tempo, mas era fundamental gravar o Surfando Karmas & DNA e o Dançando No Campo Minado antes de fazer o acústico. São dois discos densos na forma e no conteúdo. Depois deles me senti a vontade para desplugar. Acho que fiz a coisa certa, o disco se encaixa na história da banda sem parecer um enxerto.
Em que medida o Engenheiros é porta-voz do Rio Grande do Sul?
Em nenhuma medida. Só falo por mim. Aqui no sul ninguém entende Engenheiros do Hawaii.
O público no Rio Grande do Sul é bairrista?
Nós gaúchos somos um pouco encucados com nosso “pertencimento”. Em nenhum lugar do Brasil a identidade é tão discutida como aqui. Não sei se isso é bom, mas é assim que somos.
Você tem acompanhado a proliferação de pequenas gravadoras? Que papel elas têm no cenário musical?
Não entendo muito deste lado empresarial. Espero que seja para o bem esta fragmentação.
A internet supre a divulgação do trabalho do músico, ou o músico ainda depende muito de tocar em rádio?
Infelizmente o artista depende de intermediários para chegar ao público: empresários, rádios, gravadora, internet. Não faz muita diferença. Quanto mais neutro o filtro, melhor.
“Qual é a lógica do sistema”?
A lógica do sistema é a mesma do cachorro correndo atrás do próprio rabo. As melhores coisas da vida não têm lógica.
18 de setembro de 2009
Educação e batatas
Hoje de manhã, o jornal da TV me informou que existe um projeto de lei para reservar cotas para negros nas empresas, criando um abatimento fiscal para tanto, e também cotas para negros em cargos políticos.
Pelo amor de Deus, um novo Apartheid? Ridículo. Não concordo e bato o pé. Absurdo.
Na verdade, não deixa de ser uma forma gratuita de se fazer algo para compensar os tão falados "erros do passado". Claro, dar isenção fiscal é bem mais fácil do que investir em educação.
EDUCAÇÃO, só isso pode salvar o nosso Brasil do fundo do poço.
E como já dizia o letreiro de um caminhão de uma empresa que vende batatas:
Educação, o sucesso é batata.
Meu silêncio
Mas o tempo vai passando... e melhorou alguma coisa? Que nada! A pressão só aumentou. O coração dispara e a cabeça fica desatinada.
Então uma pessoa queria joga a última gota, justo a que faltava. O mundo desaba. O dia vira noite, a raiva se aflora e a mágoa chega a roer.
É preciso reprimir, afinal, ninguém tem culpa de nós mesmos. E esse é o destino de quem se faz um tanque de guerra. Por fora, lago sereno. Por dentro, um vulcão prestes a ter uma erupção.
E justo na hora de ir embora, vem a chuva. Ah, a chuva. Forte, intensa, zombando do turbilhão que assoma furioso. O horário falha, os minutos agora se arrastam.
E lá vou eu, com o peito ardendo, segurar a onda de enfretar o trajeto até o apartamento. Com a chuva, o trânsito fica mais lento do que o normal, sinal de que a jornada será um pouco mais longa. Sinto alguém me tocar. Quase explodo, mas sigo com o olhar calmo e sereno.
Chuva torrencial, agora. A prioridade passa a ser os livros e a academia. E uma ligação ou uma mensagem no celular. Tiro a camisa. Foi um bad day.
E mesmo que de quando em vez, até mesmo um tanque de guerra precisa de ternura. É o meu silêncio, todo pureza, quem me recebe, meio serelepe. Sinto a brisa imaginária roçando as maçãs do meu rosto. Ali, eu faço a diferença.
Meu silêncio, então, salva o dia.
11 de setembro de 2009
Woodstock
Já fui num acampamento farroupilha. Fiquei chuleando um piquete, onde riam de qualquer coisa, e vi um homem da cidade se aprochegar. Chegou, apresentou-se, disse que era crioulo do Saicã, e que agora usava calça de friso, mas que fora criado nos campos do Caverá. Sentou-se num mocho e se ofereceu pra contar a história da vaca brasina assombrada.
Não era um causo, era uma história com "H". Como havia um certo cansaço com a repetição das mesmas conversas, foi acolhido no piquete. Contou então que lá pelo final dos anos 60, havia uma vaca brasina assimbrada saída dos campos do Catimbau. Espichou e alargou bem a história, engarçou todo o começo, fez entradas de causos paralelos e sentiu que prestavam atenção nele.
A vaca brasina assombrada aparecia de surpresa, em noites de puro breu, e mugia ao lado dos galpões. Um vulto que chegava a ser gasoso. Movia-se na volta como se movem as assombrações. Todos viam a vaca brasina com olhos de bolita, mas ninguém se atrevia a chegar perto. E a vaca vinha e desaparecia como hoje desaparece o Belchior.
E foi assim durante anos da infância daquele homem no Caverá. Dormiam alertas, ele contou, pensando na vaca brasina, mesmo que seu Tibo, conhecedor da história da vaca brasina, assegurasse que o bicho não seria capaz de nenhuma maldade.
O homem narrou a história da vaca brasina, fez uma parada, deu um tempo para que se ouvisse o silêncio do fogo, e disse: era isso. Um peão de São Borja quis saber:
- Mas e a vaca brasina ainda está por lá?
O homem disse que sim, mas que não via a vaca fazia muito tempo, apesar de voltar sempre aos mesmos galpões.
- A vaca estava por ali, com certeza, mas eu não via mais nenhuma assombração.
- Mas como, home? - o peão insistiu.
- Porque virei adulto - falou com voz baixa, tentanto parecer Paulo Coelho e tirando proveito dos lampejos de vermelho que o fogo lhe jogava no rosto.
Foi quando alguém gritou:
- Então abre essa gaita, nego Ceceu!
A gaita roncou. O homem fez a sua parte, ficou por ali mais um pouco e foi embora com sua calça de friso. Woodstock e os acampamentos são um ajuntamento de adultos que decidem compartilhar memórias da infância que a maioria deles nem tem. É gente que ainda sente o cheiro de pelego molhado, de pasto seco, de mogango com leite, de paiol de milho... se muitos nunca viveram no campo, não interessa, porque não é preciso ter vivido no campo para ter visto uma assombração.
Acampamentos farroupilhas, na verdade, são um monte de crianças grandes urbanas se divertindo com a fantasia de que todos um dia tiveram um petiço tordilho. Esses piquetes barrentos se prestam para que se viva da lenda, no improviso, sem muito ensaio, mesmo que seja por somente uns parcos dias.
Foi assim com Woodstock, por uma única vez, e é assim no acampamento crioulo todos os anos. Com uma boa lenda, tá feito o guaraná.
(adaptado de Moisés Mendes)
10 de setembro de 2009
Assalto
- Aqui é o ladrão.
- Desculpe, a telefonista deve ter se enganado, eu não queria falar com o dono do banco. Tem algum funcionário aí?
- Não, os funcionário tá tudo refém.
- Ah, entendo. Afinal, eles trabalhando quatorze horas por dia, ganham um salário ridículo, vivem levando esporro, mas não pedem demissão porque não encontram outro emprego, né? Vida difícil... mas será que eu não poderia sar uma palavrinha com um deles?
- Impossível. Eles tá tudo amordaçado.
- Ah, foi o que pensei. Gestão moderna, né? Se fizerem qualquer crítica, vão pro olho da rua. Então não tem nenhum chefe por aí?
- Claro que não, mermão. Quanta inguinorânça! O chefe tá na cadeia, que é o lugar mais safo pra se comandar assalto!
- Bom... sabe o que é? Eu tenho uma conta...
- Tamo levando tudo, ô bacana. O saldo da tua conta é zero!
- Não, isso eu já sabia. O que eu queria saber mesmo era uma informação sobre juros...
- Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é tudo pequenininho. Assaldo a banco, vez ou outra um sequestro. Pra saber de juro é melhor tu ligá pá Brasília!
- Entendo... o senhor tá na informalidade, né? Também, com o preço que tão cobrando por um voto hoje em dia... mas será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto que vou ter que pagar de taxa.
- Tu tá pensando que eu tô brincando, truta? Isso é um assalto!
- Longe de mim pensar que o senhor está de brincadeira! Que é um assalto eu sei perfeitamente: ninguém no mundo cobra os juros que cobram no Brasil. Mas só queria saber o número que preciso: seis por cento, sete por cento?
- Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante! Trabalho na base da intimidação e da chantagem, sacou?
- Ah, eu já esperava. Você vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?
- Não, já falei, eu sou... peraí bacana... hoje eu tô bonzinho e vou quebrar o teu galho.
(um minuto depois)
- Alô? O sujeito tá aqui, e tá dizendo que é oito por cento ao mês.
- Puxa... que incrível!
- Incrível por quê? Tu achava que era menos?
- Não, achava que era mais ou menos isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, eu consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço pelo telefone em menos de meia hora e sem ouvir "Pour Elise" enquanto me transferem de um ramal para o outro!
- Quer saber? Fui com a tua cara, mané. Acabei de dar umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?
- Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?
- Nadica de nada, já tá tudo acertado!
- Nossa, muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa...
(de repente, ouvem-se tiros e gritos)
- Ih, sujou! Puliça!
- Polícia? Que polícia? Alô? Alô?
(sinal de ocupado...)
- Droga! Maldito Estado! Quando o negócio começa a funcionar, entra o governo e estraga tudo! Max Webber estava errado!
8 de setembro de 2009
Despedida
Se não quiser chorar, não chora. Se não conseguir chorar, não te preocupa. Se tiver vontade de rir, dê muitas risadas... se alguns amigos contarem um fato a meu respeito, escute e acrescenta a tua versão.
Se me elogiarem demais, por favor, corrige o erro deles. Se me criticarem demais, pelo menos gostaria que soubesses que se errei, foi sempre tentando acertar. Sempre prezei pelo justo, e se prezei errado em algum momento, somente fiz o que o meu coração simplesmente me mandou fazer.
Se quiserem fazer de mim um santo, só porque eu morri, mostra pra eles que eu até tinha um pouquinho de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. E se quiserem fazer de mim um demônio de tão sem-vergonha, mostra pra eles que talvez eu até tivesse em mim um pouquinho de demônio, mas que sempre tentei ser bom.
Se falarem mais de mim do que de Deus, por favor, chama a atenção deles. Se um dia sentires saudade e quiseres falar comigo, fala com Deus e eu ouvirei. Espero estar com ele o suficiente para continuar sendo útil a ti, lá onde eu estiver. E se tiveres vontade de escrever alguma coisa sobre mim, apenas escreve "foi meu amigo, meu companheiro, acreditou em mim e nele mesmo, e me quis sempre por perto". Aí, então, se sentires vontade, derrama uma lágrima. Eu não vou estar presente pra passar a mão e enxugar, mas não faz mal. Outra pessoa vai fazer no meu lugar, e espero que faça com o mesmo carinho que eu faço sempre.
E quando eu me enxergar bem substituído, vou cuidar da minha nova tarefa lá juntinho com Deus. Mas, de vez em quando, dá uma espiadinha na direção de Deus. Tu não vais me enxergar, mas eu ficaria muito feliz vendo tu olhares pra ele.
E, quando chegar a tua vez de ir pra juntilho dele, aí, sem nada a nos separar, nós vamos viver pra sempre juntos! Vamos viver o que ele separou pra nós. Tu acredita nessas coisas? Sim? Então ore pra que a gente viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que quando chegar este dia, que morramos como quem soube viver direito.
Isso tudo só faz sentido se soubermos trazer o céu pra mais pertinho da gente. Inaugura um novo começo! Sabe, acho que eu não vou estranhar o céu quando eu morrer. Sabe por que? Ter te conhecido já é um pedacinho dele, tenho certeza.
Luíza
Naquela época, Luíza andava dormindo mal. Tinha pesadelos, insônia, de noite queria ir para a cama dos pais, mesmo com os seus apenas 8 anos de vida. Após algum tempo, fui saber que o casal a quem ela chamava pai e de mãe não eram os seus pais verdadeiros. Mas eram os únicos que ela conhecia e de que se lembrava. Ela e um irmão, um ano mais novo, tinham sido abandonados há mais de 6 anos, tendo Luíza passado os seus primeiros 3 anos de vida num “lar” do qual não guardava nenhuma lembrança.
Quando tinha quase 3 anos, estes “pais” tinham ficado sensibilizados com o abandono da menina, e de acordo, trouxeram-na para casa, na qual deram todo o mimo e o carinho que uma filha menina precisa.
Tanto quanto a sua memória podia recuar, Luíza só se lembrava da mãe dando-lhe banho, de ir passear com os dois, do beijinho que eles davam nela todas as noites antes de dormir, das comidas de que mais gostava, de o pai ir levar e buscar na escola, etc. Manteve o contato com o irmão, porque ele tinha sido recebido como filho por outra família. Tentaram sempre ter o cuidado de se reunirem muitas vezes, faziam as festas em conjunto, davam passeios juntos e eles sabiam que eram irmãos apesar de terem "pais” diferentes.
Mas um dia a mãe apareceu.
Receberam uma comunicação da instituição de caridade para levarem a Luíza até lá. A nossa menina, para quem os pais eram os que sempre tinha conhecido é então confrontada com a presença de uma mulher, que ela sabia existir, mas que nunca tinha visto e por quem não sentiu a menor simpatia. A rejeição foi enorme - e natural - e aí começaram os pesadelos e o mau dormir. Quando falei com ela, senti o apavoramento que desabrochava dela, e ela nem queria imaginar que pudesse perder os seus pais! Exatamente a mesma coisa aconteceu com o maninho dela.
Mas o processo foi decorrendo, ela e o irmão foram várias vezes levados à força a encontros com a mãe, de onde voltavam perturbadíssimos e em pânico. As suas famílias somente podiam olhar, e sofriam com eles.
Há poucos dias recebi um telefonema da mãe da Luíza. Ela disse: “aconteceu o pior”. Me contou, chorando e muito emocionada, que dois dias antes tinham ido ao tribunal, eles e o outro casal com o menino. Luíza, que estava com gripe, tinha ficado de cama em casa. Alguém deu a mão ao irmão de Luíza, saindo com ele por uma porta. Ouviram-no chorar, mas quando os pais quiseram acudir, foi barrada a passagem deles. O juiz perguntou secamente e de um modo cortante, feito o vento frio das manhãs gélidas da fronteira do Rio Grande: “sabem que esta menina tem mãe?”. Ao tentarem, em pânico, gaguejar uma resposta, ouviram: “se não a apresentarem amanhã, serão acusados de sequestro”.
No dia seguinte, aquela Luíza que conheci radiante, apesar de assustada, a menina cuja memória mais remota era de uma vida com esta família, pais, avós, tios, primos, de uma hora pra outra viu a sua vida ser modificada radicalmente. Perdeu completamente a sua família. O seu norte. O seu rumo. Uma morte coletiva. Nossa família é nossa bússola, e o ponteiro que indica o norte é o coração.
E eu conhecia o juiz. É triste, mas Kafka também tem histórias para crianças. Só imagino como Luíza vai dormir agora, numa cama estranha, perto de pessoas estranhas, num ambiente estranho, frequentando uma escola estranha, com colegas e professores estranhos. Neste momento nem estou pensando no sofrimento dos adultos. Penso apenas no terror desta menina. Achava que não era possível, e foi. E eu conhecia o juiz.
3 de setembro de 2009
Get a life!
Esta postagem é bem triste. É uma história verídica. Não vou dizer com quem aconteceu, seria muita hipocrisia. Pelo menos por agora. No final da postagem, de repente. Mas aconteceu de verdade.
"Please don't put your life in the hands of a rock 'n roll band". Quem proferiu este alerta foi o Sr. Noel Gallagher, nos tempos idos de 1995, na canção de nome "Don't look back in anger". Mas acabei nem ouvindo. Procuro nunca ouvir essa música.
Com 13 anos, tinha recém descoberto a antena UHF. Plugando a antena na TV da sala (a única da casa), acabei descobrindo a MTV. Tudo muito novo e chamativo, atraente. Me chamou a atenção. Uau, havia vida fora da TV Manchete! Adorava escutar Bon Jovi, as aulas de judô e o futebol. E meninas. Sempre fui um pouco tímido, mas era chegada a hora de deixar de lado este lado (!) e me tornar mais sociável. E tinha que ser com essa banda.Com a MTV, começava a se desenhar para mim todo um paradigma diferente do que é música, mas antes de tudo, repensei inclusive o sentido daquilo tudo. Por quê temos que ser diferentes dos outros, se somos todos iguais (e tão desiguais...)? Seria o sentido da vida balançar a cabeça de olhos fechados e sonhar? Essa possibilidade acabei descobrindo nos acordes de um guitarrista marrento e com cara de brabo, óculos iguais ao do John Lennon. Cabelos idem.
Acabei jogando a minha vida nas mãos de uma banda de rock, justamente o contrário do que o tal guitarrista me alertou para não fazer, logo no início. Hoje, aos 24, vejo a consequência do erro se materializar em lágrimas. Estou aqui porque, em algum momento, joguei a minha vida nas mãos de uma banda de rock, mais especificamente nos acordes e na voz de dois músicos completamente inconsequentes, gente que jamais mereceria ter nas mãos os sentimentos de qualquer um. Mas joguei nas mãos deles porque sou exatamente igual.
Aos 13, via Liam com 30 e poucos e pensava: "Sou igual a esse cara". E no fundo eu sabia que quando eu tivesse 30 e poucos, continuaria sendo um imbecil apaixonado e inconsequente como ele, às vezes meio marrento, mas ainda assim jogando todas as coisas importantes da vida para o alto como ele.
E é por isso que nessa manhã, triste como há tanto tempo eu não ficava, consigo entender o cancelamento do show do Oasis meia hora antes de a banda subir ao palco do festival "Rock in Seine", diante de vinte mil pessoas. Só consigo imaginar aquela voz metálica no microfone, aquela voz seca, aquela voz fria como um cara que acorda fora de casa logo de manhã, todo escabelado: "O show do Oasis foi cancelado".
Pouco depois daquele ano da descoberta da UHF, o Oasis tocou no Brasil. Ainda adolescente e com sérias dificuldades financeiras, nem cogitei a ida. Frustração eu não precisava. Alimentar expectativas sempre foi o meu defeito.
Só o que eu conseguia pensar era no encontro não-planejado. Quando não planejamos, se torna. Simplesmente acontece. Não imaginamos o que está no porvir, e qualquer coisa que venha acaba sendo um mistério super bom de decifrar. Deveria ir até lá? Seria mesmo um romance eterno, ou só uma bobagem passageira? Mesmo que tudo viesse a acabar quatro dias, quatro anos ou quatro vidas depois, eu sabia que iria até lá. A teimosia pode ser uma virtude.
Quando tudo já estava perdido nas brumas daqueles últimos dias, chorei no Aeroporto Salgado Filho, com o ingresso do show no bolso, ao perder o último voo para Buenos Aires. Cheguei ao aeroporto segundos depois de o avião decolar, ainda a tempo de ouvir as últimas palavras dela ao telefone: "Eu tô indo".
Ela foi a Buenos Aires, eu voltei, e depois ela iria para longe, longe, longe, de forma que jamais nos veríamos de novo. Ou jamais da forma como deveríamos nos ver. Era para ser o nosso último final de semana para sempre. Perdi o show do Oasis e outras coisas que eu jamais conseguirei mensurar.
Foi naquele início de tarde, no aeroporto Salgado Filho, que fiquei sem reação pela primeira vez na minha vida. Estava me tornando um homem, enfim. Entende, quando ficamos sem reação? Não é uma coisa comum. Sem saber se chora, se ri. Exatamente, é parar no tempo. Eu ouvia as pessoas passando a minha volta, naquele ruído de não-lugar típico dos aeroportos, e não sabia o que fazer.
Sentei num banco e fitei o nada, o vazio. Foram cerca de cinco horas sentado no Salgado Filho sem ter a menor idéia do que fazer. Como fui perder o avião para o show do Oasis? Pessoas me ligavam no telefone, outras que passavam me olhavam estranho. E eu olhava a parede com o cérebro zerado. Nada me ocorria diante de tamanha tragédia. Parecia que não havia mais nada para se fazer na vida. Um sentimento tão nulo que achei que jamais sentiria de novo.
Pois aconteceu outras duas vezes. Uma delas me fez perder o show do Oasis em Porto Alegre, no último mês de abril, quando um sentimento maior me obrigava a estar a milhas e milhas e milhas de distância do paralelo 30 sul para não enlouquecer. Pois a terceira, e talvez a pior, foi hoje.
Eu estou, denovo, pela terceira vez em 24 anos, travado. Não sei como reagir, e também não quero pensar sobre isso. Minha segurança às vezes me assusta. Mas também me faz forte como poucos, seguro como poucos, e acho que acabo transmitindo isso. Auto-confiança e segurança são duas das minhas maiores virtudes. Deve ser por isso que conheço várias pessoas que gostariam de estar do meu lado. Mas não quero pessoas à minha volta, me bajulando. Quero só uma.
O sentimento de azar e escolhas mal-feitas é maior do que qualquer coisa, e só no que consigo pensar agora é num conselho, aquela coisa que se fosse boa, ninguém daria "for free". Pois aí vai: não coloque a sua vida nas mãos de uma banda de rock e nem nas de mulheres de cabelos ruivos e pele branca, com um sorriso encantador. Mas, se colocar, que nem eu, saiba que o caminho é árduo e irreversível. Só depois não diga que não avisei.
P.S.: Noel Gallagher deixou o Oasis. O que deve ser, certamente, o fim da banda.